O dia esconde-se. Dentro de pouco o meu corpo estático vai-se libertar…já não sei…perdi o tempo…ou ele fugiu de mim. Há quanto tempo observo, sem nada dizer, sem poder agir…a minha carne transformou-se, não envelheço, mas o meu corpo que tanto foi desejado foi-se. A tristeza consumiu-mo, quem me olha não imagina o que com ele fizera…
A música ouve-se ao longe. A brisa corre lenta e cálida, afaga-me o rosto. A brisa e o cheiro das flores perfumam-me a pele e dos cabelos solto um doce cheiro a mel quando o sopro quente me toca.
Não resisto a soltar o corpo quando, de longe, a música me chama. Adoro dançar, o som apodera-se de mim e como que possuída por algo de bom me sinto, sinto-me tão feliz!
Já não me lembro da última vez que fui á festa na aldeia…talvez desde que a mãe morreu, o pai não é dessas coisas, não gosta muito de música, não é muito alegre. Por isso venho escondida até ao bosque, onde consigo ouvir a música que vem da aldeia, fecho os olhos e sinto-a no corpo, como se fizesse parte dos meus movimentos mais inconscientes e os meus sentimentos libertam-se…sinto-me tão livre e feliz…tão livre.
- Onde será que se meteu?
Algum bicho interessante deve andar por aí!
Assobia… o seu assobio faz lembrar uma ave nocturna.
- Cão dum raio. Como vou encontrá-lo no meio desta mata.
Ao longe, o som da música indica-lhe a distância percorrida. Não estava previsto este passeio nocturno ao lago.
-Como é diferente o lago à noite.
Assobia novamente, mas entre todos os sons emitidos o seu mistura-se ecoando junto da melodia.
Entre a brisa que corre, os murmúrios que transporta vindos da natureza e o aroma fresco do bosque, um mais quente e doce desperta-lhe os sentidos e rapidamente uma melodia sussurrada também lhe chama a atenção e esconde-se… sem saber o porquê, com uma tenção no estômago, como se de uma alma do outro mundo se estivesse a esconder.
Foi na clareira perto do lago que ela a vira pela primeira vez. Mesmo no escuro da noite, agachado por entre os robustos carvalhos, quase sem respirar e as gotas de suor a escorrer-lhe cara abaixo enchendo-lhe os olhos de água e turvando-lhe um pouco a vista.
Fecha os olhos e o cheiro a mel inunda-lhe o espírito atormentando-o. Abre os olhos lentamente, como uma criança assustada á espera que o homem do armário já se tenha ido embora e não tenha passado de uma assombração, mas ela ali está, agora mais nítida, linda, sensual nos movimentos, não quer acreditar, quer que o tempo pare e não exista mais nada além daquele lago no bosque. A sua dança é pura magia, como se estivesse a falar para ele através do corpo, como se já se amassem e ela estivesse a dançar só para ele. Fecha novamente os olhos e inala-lhe o odor, como se de ele se estivesse a alimentar para ganhar forças e prosseguir. Abre os olhos e ela desaparecera. Fica na duvida se sonhara ou se realmente fora uma alma do outro mundo.
- Não, não pode ser as almas não cheiram assim.
Diz em voz baixa, quase só em pensamento.
Como a noite estava clara, desloca-se com bastante habilidade e rapidez por entre as árvores e sem pensar no que ali o tinha levado prossegue a perseguição em busca daquele doce cheiro a mel e ervas doces. Vislumbra dois vultos em movimento, abranda o paço e observa. O perímetro do bosque acabara, ela já não dançava, mas os seus movimentos eram encantadores, começa a contornar-lhe as formas. Ela agacha-se e pega no outro vulto, pequeno, ao colo e começa a deslocar-se rapidamente em direcção á aldeia. Logo ali uma casa, um candeeiro de rua ilumina-lhe o rosto. Sustem a respiração durante algum tempo! O sangue circula-lhe cada vez mais lento pelo corpo, mas o coração bate-lhe quase saltando do peito e rasgando-lhe a pele como se de um animal selvagem exausto depois de um confronto se tratasse.
- Linda!
Sussurra abanando a cabeça, como se lhe custasse a acreditar no que via.
O vulto que transportava no regaço, deixa de o ser, passa a ser cão…o seu. Salta-lhe do colo e com o rabo a abanar e ladrar familiar dirige-se a ele, o que o deixa pouco á vontade. Sem outra saída por um lado e não querendo outra, por outro, dirige-se-lhe lentamente para não a assustar. Ela baixa-se e pega numa pedra, mas ao mesmo tempo a sua figura não lhe causava pária.
- Está tudo bem. O cão é meu. Desculpa se te assustei.
Sem receber nenhuma resposta ou intervenção continua.
- Perdemo-nos no bosque. Pensei que andasse atrás de algum animal. Obrigado.
Faz o gesto de ir embora, mas, a sua voz melodiosa intervém.
- Veio ter comigo, acho que simpatizamos um com o outro.
Os dois baixam a cabeça envergonhados e ficam alguns segundos em silêncio, até que o cão observa os dois, sentado, e depois ladra, como se estivesse a querer ser intermediário. Levantam a cabeça e fitam-se pejados de desejo.
- Costumas passear sozinha á noite no bosque?
- O bosque é a minha casa. Não me dá medo. E tu costumas passear o cão e perdê-lo?
Ele solta uma risada.
- Não.
-Não? Passear o cão no bosque ou perdê-lo?
- Nenhuma das duas. Ele hoje por algum motivo correu para o bosque, eu chamei-o varia vezes e ele não respondeu.Vim atrás dele.
- Talvez me quisesse conhecer!
Baixa a cabeça, leva a mão á boca e solta uma risada.
- Talvez estivesse destinado encontrarmos-nos e ele foi o intermediário.
Responde ele e faz-se um silencio gelado.
- Bom, tenho de ir… Boa noite.
Afaga a cabeça do cão, que abana desenfreadamente a cauda e lhe lambe as mãos e afasta-se.
-Posso ver-te de novo?
Pergunta-lhe ele sem pensar muito na pergunta, deixando o coração tomar essa iniciativa.
Depois de um tenso momento de pausa ela olha-o como se já se conhecessem há muito tempo e já houvesse cumplicidade entre eles.
- Encontramos-nos um dia destes no lago.
Por alguma razão ela sabia que ele iria ao seu encontro logo que possível.
E sem nada saber um do outro sonharam a noite inteira com o seu misterioso amor.
Este é o primeiro capitulo da história.
ResponderEliminarDaqui a uma semana, ou talvez menos, dependendo da aceitação da coisa, publicarei outro capitulo.
Até lá vamos falando...
'tou a voltar a ler com mais atenção... e esta-se a ilustrar a historia na minha mente com as tuas palavras!
ResponderEliminarja tinha saudades de ler =)