quinta-feira, 7 de outubro de 2010

CAP15

A notícia chega até Felon. Os seus homens informam-no do sucedido com Austero, esta vai cair como uma bomba na vida de Melinda.







O tão esperado almoço concretiza-se. Á mesa sentadas estão três pessoas, Melinda, Cândia e Felon, Dee não se senta á mesa, não faz parte dos protocolos internos, a sua missão é certificar-se de que está sempre tudo ao mais alto nível. A mesa está perfeita, a comida divinal. Melinda não toca em quase nada.
- Não come? Não gosta da comida?
Pergunta Felon a Melinda.
- Está tudo óptimo, simplesmente não tenho apetite.
Responde-lhe sem mostrar qualquer emoção.
- Bom. Quero então, já que estamos aqui reunidos para tal, anunciar o meu casamento com a Melinda que se vai realizar daqui a poucas semanas.
Melinda levanta a cabeça e olha para as duas que se encontram com um ar de poucos amigos e estas resignam-se.
Melinda precisa manter a pose, agora não há volta e qualquer deslize na sua atitude fará com que seja “devorada viva”.
- Melinda.
Volta Felon a interromper os pensamentos às três.
- Sim?
- Recebi esta manhã a notícia que teu pai foi encontrado morto em casa.
A expressão de Linda modifica-se e a personagem cai. A maneira vil como Felon lhe dera a notícia deixa as duas mulheres com um sorriso cínico ao canto da boca. Linda levanta-se da cadeira e sai a correr para o quarto.
- Coitada pai.
Diz Cândia no gozo.
Felon levanta-se também e pede que lhe sirvam um cognac na outra sala.
Linda corre escadas acima com a lágrimas a caírem cara abaixo. Mal sabia da situação, nem se esta era real ou fruto da mente perversa de Felon, mas alguma coisa lhe dizia que era verdade e que algo sucedera ao pai. Fecha-se no quarto e chora. No chão agarrada aos joelhos lamenta tê-lo abandonado, lamenta que ele a tivesse abandonado, lamenta que ele a tivesse oferecido em troca das terras, lamenta a mãe ter morrido, lamenta-se por estar só no mundo.







Em casa dos Wolf, Gray repousa na cama. Á distância encarrega-se com a ajuda da mãe a tratar que Austero tenha um funeral digno. Nunca chegara a conhecê-lo, mas o amor que nutre pela sua filha e o mistério em volta da sua morte e desaparecimento de Linda obrigam-no moralmente a fazê-lo e Rosa não abandona o filho nesta decisão.
- Mãe.
- Sim?
- Quando encontrei o corpo, dentro do bolso do casaco estava uma carta dirigida á Linda.
- E?
- E eu com medo do destino da mesma trouxe-a comigo para me certificar que lhe será entregue.
- Tem-la contigo? E agora como vais fazer para lha entregar?
- Não sei mãe. Alguma ideia me há-de surgir.

sábado, 25 de setembro de 2010

CAP14

Arqueado, com a mão a segurar o estômago, corre rasgando o bosque. Precisa chegar a casa de Linda e alertar o seu pai, fazendo-o cair em si e no resultado da sua atitude. A casa está próxima, já se avista, O sol está alto e a manhã quente, Gray encosta a mão á parede da casa, sente o calor que dela vem, tenta respirar fundo, mas as dores nas costelas impedem-no de o fazer. O calor da pedra carrega-lhe algumas energias que o fazem continuar. Bate á porta. Ninguém abre. Procura a presença de alguém no jardim e quintal, curva a esquina da casa. Á sua frente, um vulto a contra luz, pende balançante de um carvalho. Gray recorre ás suas ultimas energias e dirige-se-lhe correndo. Procura. Uma cadeira jaz caída. Pega nela. Levanta-o pelo tronco. Grita de dores. Não consegue. Salta da cadeira, grita e chora de raiva ao mesmo tempo. Seria ele o pai de Linda? Só o vira uma vez. Procura algo cortante. A expressão daquele homem. Sobe novamente, corta a corda e trá-lo para o chão. Posiciona-lhe bem a cabeça., alarga-lhe a corda no pescoço, sente-lhe o pulso. Acabou. Olha-o, com a sua mão na do defunto, fala-lhe, diz-lhe que ama a filha e que fará tudo para salvá-la. Do bolso do seu casaco um pedaço de papel deixa-se ver. Gray puxa-o. Uma carta dobrada. Desdobra-a.
- Para Melinda.
Gray dobra-a novamente e mete-a no seu bolso. Levanta-se, leva as mãos á cabeça. Tem de avisar a polícia. Tem de sair dali e denunciar Felon. Seria suicídio, ou teria algum mandatário? Estava todo rasgado, sujo, tinha dores no corpo todo. Dirige-se a casa, ali já não podia fazer nada.







Rosa vê o filho entrar em casa naquele estado e desespera.
- Passei a noite em claro sem saber de ti. Já sabia que alguma coisa ruim tinha acontecido, o coração de uma mãe não se engana. O que foi que fizeram contigo?
- Agora mãe não posso explicar. Preciso de ligar para a polícia. Está um homem morto na casa junto ao bosque. Alguém tem de ir lá. Tenho de tomar um banho e ir ao hospital.
- Como é que está um homem morto? Porquê? O que tens tu a ver com isso? Pelo amor de Deus, diz-me o que se passa.
-Não tenho nada a ver com o homem morto. Simplesmente fui eu que o encontrei já moribundo.
- E quem te fez isso?
- Não importa agora mãe. Por favor. Eu depois explico-te. Agora ajuda-me.
Rosa ajuda o filho com auxílio do capataz da casa, a ir até ao hospital, onde o curam e aconselham repouso imediato.
- Duas costelas partidas. Está na hora de falarmos e dizeres-me quem te fez isso.
- Mãe, não te enerves, por favor. Eu explico.
A polícia faz perguntas a Gray. Este fala-lhes do homem que deixara defunto na casa do bosque e do motivo porque se encontrava ali, das suspeitas contra Felon, que mantinha uma mulher refém em sua casa. A polícia dá inicio á investigação, mas informa-o da dificuldade de poder fazer algo sem provas concretas. Pedem-lhe que não se ausente, Gray promete não o fazer. Ele tinha de se manter por perto, tem de chegar até ela, tem de lhe entregar a carta em mão, tirá-la dali, se essa for a sua vontade. E se não é? Ele ouviu-a pela manha, a dar ordens aos homens, como dona da casa. E se ela quer ali ficar? Como irá ela ficar depois de saber o que aconteceu com o seu pai? Tem de falar com ela, vê-la, tocar-lhe, senti-la, cheirá-la.







Linda passeia pela casa, até parar junto de um canteiro de flores a apreciá-lo.
Enquanto isso, no interior da mesma, as duas iníquas instigam.
- Eu nem quero acreditar, no que acabei de ouvir. Se ela julga que me vai fazer frente, está muito enganada. Não outra vez.
Exclama Dee. Cândia, mexe-se de um lado para o outro, pensa sem parar de mexer no cabelo.
Uma joaninha esvoaça de flor em flor, Linda estica a mão e deixa-a pousar nela.
- Tens a mania, não tens?
Cândia pega no pulso de Linda faz alguma pressão, fazendo a joaninha esvoaçar longe.
- Não, porquê?
Responde-lhe descontraidamente.
- Achas-me manienta?
- Acho-te uma parola. Acho que não sabes qual é o teu lugar.
- E qual é?
Cândia olha-a de ar empinado e esboça um assoprado sorrisinho.
- Nem sei quem tu és. A única coisa que sei, é que o dono da casa me trouxe para cá, disse-me que a partir de hoje esta seria a minha casa e eu só quero sentir-me como se estivesse na minha casa.
- Para tua informação, o dono da casa é o meu pai.
- Pois muito prazer, já que dentro de pouco, pelos vistos vou ser a tua madrasta.
Volta-lhe as costas e entra em casa.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

CAP13

Felon dá ordens de que preparem um almoço de festa para receber a noiva. Dee lidera a organização do evento. Tenta manter a altivez que a caracteriza, mas sente-se incomodada, ao ponto de se descontrolar no controlo de certas tarefas básicas que desempenha diariamente, sempre com precisão. Não consegue descobrir o porquê de aquela voz, aquela tentativa de olhá-la nos olhos, lhe provocaram tanto desconforto e nervosismo. Trazem-lhe recordações. Estranhas recordações, vindas do passado. Teme a altura em que tem de estar ao pé dela de novo. Não está a saber lidar com essa sensação.







- O quarto é enorme!
Linda aprecia-o. Já que decidira tomar as rédeas da sua história tinha de conhecer o que a rodeava. Aquele quarto tinha sido arranjado para si ou já tinha estado lá outra mulher, nas mesmas condições que ela?
Era um quarto aparentemente acolhedor. Se não fosse a porta estar trancada, ela até poderia sonhar que estava num hotel. A imagem de Gray dá-lhe coragem para seguir com a sua estratégia. Abre gavetas, armários, escrivaninha, tinha ali tudo o que precisava. O roupeiro estava cheio de roupa, maior parte vestidos. Muitos vestidos de festa. Passa-lhes a mão pela textura. Tira alguns para fora, escolhe. Veste-se.






Cândia desce as escadas que conduzem desde os quartos á planta baixa. Vestiu-se para a ocasião. Quer mostrar á nova hospede da casa quem manda ali. O coração palpita-lhe no peito descontrolado, sente-se tensa.
- Vou mostrar aquela campónia quem ela é.
Sussurra entre dentes, esboçando um sorriso cínico. Pretende mostrar a Linda que não está á altura dele, o homem que ele é… mesmo que se tenha de basear em algumas mentiras,do tipo, que é dela que ele gosta, que ele é um mulherengo e que ela sabe bem disso, mas que não se importa porque ele é dela.
Entra na cozinha e procura Dee entre os empregados. Aproxima-se. Encosta-se ao balcão descontraidamente, pega numa maçã de uma taça de vidro, trinca-a e espera que Dee fique sozinha com ela.
- Já a viste hoje?
Dee olha-a, sorri-lhe, observa-a e alegra-lhe o dia.
- Cândia, está muito bonita.
- Achas Dee?
Dá uma voltinha peneirada e retribui-lhe o sorriso.
- Hoje vou arrasar. Vou pôr aquela parola no sitio.
- Claro que sim, nunca foi de perder a fé em si, pois não? A menina não tem rivais á altura.
- Eu sei.
Faz novamente um ar perverso acompanhado de um sorriso.
A sua desde sempre cumplicidade, quase de mãe e filha, vingativas e malvadas para atingir os seus objectivos, selava-se sempre pelas mesmas causas.
- Sabes, aquele livro que me emprestaste dos preparados? Tenho andado a treinar umas misturas.
Encosta-se novamente ao balcão, cruza novamente os pés, trinca novamente a maçã.
- Muito bem.
Responde Dee, continuando a tirar os seus apontamentos para um livro preto e dourado, muito bem encadernado com um fecho elástico. O seu ar soberbo de governanta da casa e os óculos dourados de marca na ponta do nariz dão-lhe altivez. Olha Cândia, ouve-a falar de boca cheia de maçã, observa-a com orgulho. Orgulho de uma mãe, que tem orgulho da obra-prima. Não era sua mãe natural, mas ela é que lhe ensinara tudo o que ela sabia, ela é que a tinha criado, á sua maneira, sem falhas, perfeita, maléfica, sem escrúpulos, sem medo de atingir um fim. Ouvi-la falar assim com tanta determinação, um plano, um esquema, uma estratégia para afastar Linda, soava-lhe a música. Ajudaria a sua filha no que pudesse para a por dali para fora. Baixa a cabeça, volta a escrever, denuncia algum temor, mas disfarça.
- Cândia, está linda. Devia vestir-se assim mais vezes, está realmente esplêndida.
- Noto-te um pouco tensa, ou é impressão minha?
Diz Cândia mostrando também alguma inquietação.
- Fala-me, o que se passa. Alguma coisa que sabes e não me queres dizer? É sobre ela?
- Não gosto dela.
Responde Dee sem levantar a cabeça, continuando a escrever.
- A sua presença incomoda-me.
- Estás com ciúmes Dee?
Pergunta Cândia em tom de graçola sabendo de antemão que Dee sempre gostara do seu pai, nunca no entanto, o tenha confessado.
- Disparate Cândia! Então o respeito, ficou na gaveta?
Responde mostrando-se sisuda e séria. Levanta-se da cadeira e abandona a cozinha com o livro debaixo do braço. Cândia segue-a.
- Então, vá lá, foi uma brincadeirinha, não fiques amuada comigo.
Dee volta-se e fica frente a Cândia, olha-a, deixa-a também séria, semi-serra os olhos, força os lábios a fecharem.
- Nela existem forças que me enfrentam, não é deste mundo. Percebes? Vai com cautela. Juntas, vamos conseguir vencê-la.







O vestido é de um azul esverdeado, contrasta com o dourado da sua pele. Na cabeça tem uma travessa com pedras que prende o seu cabelo de um só lado, deixando o outro lado num ondulado solto. A sala de jantar é ampla, soleada. Linda pede delicadamente aos empregados que abram as janelas para o ar circular e o sol entrar na divisão. Eles cumprimentam-na e dão-lhe as boas vindas com uma simpática e ligeira vénia com a cabeça, mas ela pede-lhes que não tenham esses modos formais com ela. A sua beleza e simplicidade envolve-os em amor. Gostam dela. Nunca serviram assim ninguém lá em casa, a ideia de ter uma patroa assim deixa-os entusiasmados e servem-na com prazer.
Dee e Cândia entram na sala de jantar, onde a mesa já está preparada para o almoço e deparam-se com Linda liderando as tarefas da dona da casa. O misto de raiva e medo petrifica-as á entrada da sala. Dee reconhece-lhe logo o vestido e acessórios e solta-se-lhe um inesperado galope dentro do peito, o seu coração dispara deixando-a á beira de um colapso nervoso. Linda repara nelas e ignora-as, o que as deixa ainda mais irritadas. Aquela mulher movimentava-se em casa como se fosse dela. Despede-se dos empregados e dirige-se a elas.
De ombros bem levantados, os braços caídos, unidos pelas suas mãos, e os dedos entrelaçados, lança-lhes um sorriso.
- Bom dia.
Diz-lhes. Desconhecendo ela a entidade e boa fé das duas, deixa o caminho aberto á dúvida. Não as quer mal. Não as conhece. Tem de saber sondar o terreno. Sente-se nervosa, mas, a preocupação dela por Gray fazem-na desempenhar bem o seu papel. Precisa saber dele e a confiança e poder que puder ter dentro daquela casa, ajudá-la-ão a conquistar a liberdade para poder ir ao seu encontro, falar com ele, explicar-lhe toda a situação. Deseja senti-lo perto, deseja sentir o bater do seu coração. Olhá-lo nos olhos.
Cândia recompõe-se do susto. Endireita-se. Levanta a cabeça e inclina-a indiferente para trás.
Dee faz um sorriso cínico, põe a mão sobre o peito, e discretamente massaja-o a fim de baixar o ritmo cardíaco.
- Obrigada por me ter aberto a porta do quarto.
Volta a falar Linda, fazendo um sacrifício em mostrar simpatia, mas ao mesmo tempo mantinha uma postura muito firme às suas convicções.
- Foi ordem do conde, não precisava descer tão cedo, eu ia chamá-la quando estivesse tudo pronto para almoçar, .
Responde Dee mantendo uma certa cortesia disfarçada de ironia.
- Também não precisa preocupar-se com o trabalho dos empregados, a minha função é fazê-lo.
- Mas eu gosto dessas tarefas e como dentro de pouco vou ser a mulher do dono da casa, gostaria de ser eu a tomar certas decisões…, se não for um problema, claro.
Contrapõe Linda, muito confiante. Esta seria a primeira prova em relação a Dee. A mulher que pelos vistos, desde sempre tivera o papel da senhora da casa. Como iria ela reagir a este roubo de estatuto? Seria uma mulher humilde que aceita a divisão de tarefas como uma parceria, ou iria á disputa do lugar, contra tudo e contra todos?
- Não me parece que faça falta preocupar-se com essas coisas. Sempre desempenhei muito bem esse papel nesta casa, que fique bem esclarecido…, vão-lhe aparecer muitas coisas com que se entreter, tenho a certeza.
- Pois vão certamente, mas a partir de hoje, se o conde realmente me quer para sua mulher, ele irá concordar que eu faça o que me faz mais feliz…, ou não?
Faz-se silêncio na sala. A guerra estava declarada.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

CAP12

Os raios de luz aparecem, penetram e iluminam através da janela, deixando-se raiar mais intensamente entre as cortinas.
Linda acorda suavemente, inspirando lentamente como que saindo do estado de meditação profundo. Mantém os olhos fechados, mas sente o brilho do sol através da pálpebra. Aguenta-os fechados mais um pouco. Não quer acordar. Está com medo. Aos poucos, o ligeiro sorriso de quem acorda tranquilo foi desvanecendo, acabando por desaparecer. Não quer acordar. Sente muito medo. Assusta-se, abre os olhos repentinamente e senta-se na cama. O rodar da chave na fechadura tira-a do seu semi-inconciencia e transporta-a até uma realidade á qual não quer pertencer.
A ama entra no quarto com um tabuleiro na mão, sem falar para Linda, volta-se para a porta, segura o tabuleiro só com uma mão e com a outra volta a gira a chave na fechadura, retirando de seguida as chaves da porta, guardando-as num profundo e obscuro bolso.
- Porque estou trancada?
Sentada na cama, endireita o tronco, procura-lhe o olhar, mas a ama não deixa encontrar-lho.
Sem responder á pergunta, pousa o tabuleiro na cama e dirige-se novamente á porta. Linda intimidava-a. Pela segunda vez em toda a sua vida sentia este medo.
Dee, nome da malvada ama, encontra na presença de Melinda, uma antiga sensação que lhe é familiar.







Gray dormiu escondido numa pequena casa de madeira que existe no jardim da casa de Felon. Tem o corpo dorido da posição em que dormiu., da tensão a que submeteu no dia anterior. Não sabe o que fazer, como fazer…o dia já tinha acordado naquela casa. Prepara-se para sair da propriedade, quando é surpreendido por um dos guarda-costas do dono da casa. Acompanha-o aos empurrões até ao escritório do conde, onde este já o espera.
Entra porta dentro empurrado. Felon Acaba de se sentar á secretária, cruzar a perna, balouça-se nela, entrelaça os dedos no joelho e sorri maliciosamente.
-Posso saber o que pretendes ainda por estes lados?
Pergunta Felon a Gray, sem deixar de se balouçar.
- Mantém uma mulher presa nesta casa e pretendo leva-la daqui.
É nessa altura que o conde indignado com ousadia do rapaz, se levanta da cadeira num impulso e lhe dá uma valente bofetada com as costas da mão soltando-lhe o sangue do lábio inferior.
- Como te atreves a dar opiniões sobre o que se passa em minha casa? Sobre o que faço ou deixo de fazer? Agora ponham-no daqui para fora, antes que tenha de chatear-me a sério.
Faz um gesto desprezador com a mão, no sentido da porta, a fim de o levarem rapidamente e lhe darem um trato.
Gray limpa a boca com a manga da camisa. Faz força com os seus músculos para se conseguir libertar das mãos daqueles gorilas.
- Se lhe tocas com um dedo mato-te. Se lhe fizeres mal, juro aqui mesmo que passarei o resto da minha vida a fazer-te pagar por isso.
O gorila agarra-o pelos cabelos puxando-lhos com força para trás. Felon dá ordem de o largar.
- Mas o que tens tu a ver com ela? Conhece-la donde? Posso saber? Aqui a única pessoa que manda alguma coisa sobre ela sou eu. Ela é minha, a vida dela pertence-me.
- Não tens direito de falar dela como se fosse um dos teus pertences!
- Porque não. Ela é! O pai dela fez a escolha dele e deu-ma para ser minha, por isso faz o favor de me explicar qual é a relação que existe entre ti e a minha futura mulher?
Gray não queria acreditar no que ouvia. Está louco de raiva, mas sabe que tem de manter a calma por ela. Tem a confirmação de que ela não está ali por opção. Sabe que assuntos familiares a obrigaram a aceitar este destino. Tinha de se manter calmo e agir de maneira astuta apesar de por dentro, o seu sangue atingir elevadas temperaturas ao ponto de entrar em ebulição e a sua cabeça estar prestes a explodir.
- Nenhuma.
Responde calmamente.
- Simplesmente vi ontem uma mulher entrar aqui agarrada pelo braço e nenhuma mulher se trata assim, decidi procurá-la e perguntar-lhe se estava aqui de livre vontade ou se desejava que a levasse daqui.
Inventa para ganhar tempo de raciocínio.
- Levem-no daqui e façam com que não tenha vontade de voltar.
Agarram-no pelos braços, apertando-o, transportam-no até ao pátio traseiro e dão-lhe uma sova até o deixar imóvel.







O pátio traseiro é o que alegra a vista dos quartos. Linda sentada na cama, não toca na comida. Ouve ruído lá fora, levanta-se e vai á janela. Depara-se com uma cena grotesca.
Gray é espancado pelos homens de Felon, já não tem forças, enrola-se nele, não grita, submete-se a levar.
Linda abre a janela e grita por entre as grades.
- Parem…, parem, por favor parem.
As lágrimas escorrem-lhe desenfreadamente rosto abaixo. A brutalidade da cena que ela acabou de ver, como se estivessem aos pontapés a um grande saco de areia. Chora em pranto. Corre para a porta, tenta abri-la, mas está fechada, pega na maçaneta e agita-a com a esperança de que ela se abra, mas isso é improvável. Precisa salvá-lo. O desespero apodera-se dela e cai de joelhos junto á porta, lavada em lágrimas, sem forças para se levantar, mas sem hesitar levanta-se e corre novamente para a janela.
- Parem…! Já vos disse que parassem com isso.
Grita com toda a força que tem, despertando a curiosidade de todos os que se encontram naquela casa.
- Sabem que eu sou? Não preciso dizer nem mais uma vez. Quero que parem com essa atrocidade no jardim da minha casa. O meu futuro marido não vai gostar que eu acorde com uma cena bizarra destas, mesmo debaixo do meu quarto.
As lágrimas continuam a escorrer-lhe cara abaixo. Ao longe não se vê. Só pensa em dar a volta á situação. Tirá-lo daquele sofrimento e salvá-lo. Olha para ele dobrado no chão, de olhos fechados. Sem força. Nele via, em breves instantes, o homem a quem se entregara dois dias antes, forte, meigo, o seu amor. Tem de conseguir, nem que seja com as únicas armas que tem. As mesmas de Felon. Ela.







Cãndia acorda com o barulho e dirige-se á janela. Abre-a e espreita através da mesma debruçando-se até conseguir ver as duas cenas. No chão, Gray estendido, enrolado. Na janela, duas ao lado, por cima da sua, Linda de mãos nas grades, linda até ao levantar, de ar altivo, imponente, sem medo. Intimidava-a e isso provocou-lhe um sentimento nunca por ela sentido. Recolhe-se, mete as mãos ao peito e por momentos sente que não tem aquele poder que pensava ter. O poder do amor.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

CAP 11

Já quase sem fôlego, Gray corre para a casa grande. Corre com toda a sua força, até as veias do seu pescoço ficarem inchadas e a sua face ficar musculada da tensão. Tropeça quase caindo, cai, levanta-se e corre…corre. Precisa ajudá-la. O que quer que tenha acontecido, para Linda ir com ele, não é certamente algo de bom. Tem de a salvar.







A ama de Cândia procura-a no seu quarto e envenena-lhe a mente contra a nova hóspede.
- Menina! É a rapariga das maçãs! A nova namorada do seu pai!
- O quê?
Emite um guincho estridente, fica vermelha, agarra a ama pelos ombros firmemente e dá-lhe uma sacudidela.
- O que me dizes?
- É verdade menina. Aquela do dia da festa, com quem o menino Gray estava de conversa. É a rapariga com quem o seu pai se vai casar.
Cândia fica estática de mãos na cintura, com cara de quem manipula a vida de todos e de que não é agora que isso vai mudar. Já tem um plano!






A hora vai tardia. Melinda recosta-se vestida sobre a cama. Está cansada. Cansada de chorar, cansada de toda esta turbulenta mudança na sua vida. Agora já não chora, está exausta. Somente adormece, sem pensamentos, enrolada a si própria, protegendo contra o peito a carteira da sua mãe.







Gray, escondido entre o portão e a ombreira do mesmo, aguarda movimento, está tudo calmo. Abre-o, entra calmamente, sem deixar de olhar em seu redor. Aquela casa era como a sua segunda casa, desde pequeno que a frequentava. Nela viveu histórias de infância. Conhecia todos os seus ritmos, seus cantos e recantos.
Pretende entrar e procurá-la como um ladrão. Procura a porta traseira Está fechada. Procura sorrateiramente uma janela aberta. Fechadas! Sente-se impotente. Não vai bater á porta, é tarde. Ouve ruído no pátio e esconde-se.
Os homens de Felon fazer a vigia á casa. Tem de sair dali.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

CAP 10

Linda abandona agora a casa que a viu nascer.
Dela só leva a esperança, de que salvará a única herança de família que a ligava á sua mãe. Na mão, apenas uma bolsa de veludo cinza, que Elsa muito estimava, no coração transporta a sorte de ainda ter sido amada como sempre sonhara. Pensa em Gray. Onde estaria ele, se teria sido tão importante para ele como fora para ela?
Sentada dentro do carro, escoltada por homens que não eram da sua confiança, ao lado de um outro sem escrúpulos, que desejava o seu corpo, mas que nunca o teria como seu, pois ele já pertencia a outro, Linda observa a casa já de fugida, o jardim da mesma, a entrada do bosque. Recorda a sua mãe e as palavras dela surgem no seu pensamento de uma forma real.
- Meu amor, se um dia eu não estiver a teu lado, cuida da nossa casa. O bosque, o lago e todos os seres que nele habitam, sempre te vão proteger, eu sou como eles, são a nossa família.
Enquanto criança Melinda nunca encarou estas palavras, como se pudessem ser válidas algum dia, soavam-lhe a conto para dormir. Agora sabia que era verdade. Aquele bosque protegia-a e no lago sentia a presença de Elsa, com quem aprendera a adorá-lo.
A noite traz o murmúrio das aves sábias até ela, conferenciam, algumas corujas emitem sons que podem até parecer musicais aos ouvidos humanos.
- O que me dizes?
Pergunta ela em pensamento, em resposta á mensagem que lhe trazem.
- Onde está?
Procura com a cabeça, aflitivamente de um lado para o outro. Volta-se para trás, ajoelhando-se no banco, deixando Felon irritado. Através do vidro traseiro da viatura, avista junto ao jardim de sua casa um vulto, que ansiosamente identificou.
- Volta-te já para a frente.
Diz-lhe Felon em tom de pessoa não amada. Linda, volta-se suavemente, deixando para trás a certeza de que ele também a amava e a incerteza de que mais alguma vez se iriam poder tocar. Provavelmente aqui seria o final do que podia ser uma linda história de amor.







Cândia sabe que alguma coisa se vai passar. O conde tinha dado ordem aos empregados que arrumassem o quarto que outrora fora o cativeiro de sua mãe. Ela sabia ao que seu pai a sujeitara antes de ela nascer, até ao seu fim. Sempre lhe argumentaram o espírito indomável que tinha e que o seu pai, algumas vezes tinha de a pôr em reclusão para pensar nos seus actos, ela sempre acreditara na historieta.
Está agitada com a surpresa, mas não deixa que as decisões do seu pai interfiram na sua vida, ela tem agora outras prioridades no seu pensamento. Os seus tenebrosos preparados aguardam em repouso o dia em que se libertarão e cumprirão as promessas feitas ao seu criador.







O carro estaciona frente á casa grande. Linda que se mantém absorta em pensamentos, encara agora o real facto de já ter estado ali. O seu rosto, normalmente feliz, transmite uma assombração e tristeza ao mesmo tempo.
- Para onde me traz?
Pergunta ela com ar de quem foi levada para ser aprisionada.
- Esta é a partir de hoje a casa onde vais viver.
Responde-lhe Felon com um sorriso malicioso, provocando-a, mas ela não deixa transparecer a raiva que sente e ignora-o.
Fecha os olhos suavemente, inspira prolongadamente, prepara-se para sair do carro e encarar a nova vida que o destino lhe reservara.







A velha ama tenta ajudá-la com os seus sacos, o que ela recusa agarrando-os bem contra si. Ninguém naquela casa tocaria nas suas coisas. Nunca! A maior parte dos seus pertences, são recordações da sua mãe, ninguém ousaria mexer-lhes, pelo menos enquanto ela pudesse evitar.
A ama, sussurra baixinho, enquanto a acompanha ao seu quarto, subindo vários lances de escadas até lá chegarem. Deixa-a entrar no compartimento que a ela está destinado, lentamente fecha a porta, saindo sem dizer palavra e tranca-a, fazendo-a sair disparada até á maçaneta da porta ao ouvir a chave rodar na fechadura, girando-a várias vezes com as duas mãos, sem no entanto, obter resultado. Está, realmente, prisioneira.

sábado, 11 de setembro de 2010

CAP 9

Em casa dos Wolf os hábitos familiares sempre foram prioritários. Mas neste momento a família estava voltada do avesso e Anthony recusa-se a partilhar as refeições com o filho, deixando Gray e a mãe sozinhos.

Ele não abre a boca durante o jantar, a sua mãe mal toca na comida deixando um clima de tristeza na casa.

- Mal comeste mãe, não te vi levar comida á boca durante o jantar.

- Não sei como podes saber isso, também não te vi olhares-me durante a refeição, estiveste com os olhos cravados no além, olhando a janela, o tempo todo.

- Há coisas que eu não entendo. O que tem o conde a ver com os camponeses dos arredores do bosque?

- Porque perguntas isso? Foste á casa grande? Falaste com ele?

- Expulsou-me. Fui atrás dele e ele e os seus homens estiveram toda a tarde na casa de um agricultor local perto do bosque e eu achei isso muito estranho.

Diz ele arranjando uma forma subtil de justificar a sua ida até á casa de Linda e coincidindo com a ida do conde até á mesma.

- Não sei qual será a ligação. Apesar de…, agora me lembro, do teu pai comentar comigo que Felon pretendia fazer um hotel por aquelas bandas. Talvez seja isso.

- Um hotel no bosque? Mas isso é um crime!

- Mas quando é que tu achaste que ele não era um criminoso? Ele é isso e muitas coisas, como perigoso. O poder fez dele um homem ruim.

Este discurso da mãe deixa Gray ainda mais preocupado com a situação de Linda.

- Mãe…lembras-te de te ter dito hoje que tinha conhecido uma rapariga pela qual me apaixonei?

Apoia os cotovelos sobre a mesa e segura a cabeça baixa entre as mãos.

- Chama-se Linda.

Levanta a cabeça e endireita-se um pouco na cadeira e olha descontraidamente para um lado e para o outro confirmando a sua privacidade, mostrando um pouco de descontracção para falar com ela.

- Ela mora nessa casa, mas eu não sei nada sobre ela, receio que corra perigo.

- Como não sabes nada dela? O que queres dizer com isso? Está desaparecida ou…

- As duas coisas mãe, mas o amor que sinto por ela faz-me acreditar que é uma boa pessoa, isso não duvido. Mãe, tu não imaginas a atracção que nos junta, não é uma coisa mundana, pertence a outro nível.

- Filho…tem cuidado contigo. O amor leva-nos a cometer erros, dos quais, mais tarde nos vimos a arrepender.

- Não mãe com a Linda é diferente, eu sinto-o de uma forma surreal. Não poderia enganar-me dessa forma. Eu sinto que ela corre perigo e não sei como ajudá-la. Não posso aparecer á sua casa, tem lá os homens daquele criminoso, não tenho maneira de falar com ela.

Levanta-se da cadeira ansioso agarrando a camisola e torcendo-a na zona do peito e começa a andar pela sala de jantar. Inspira o ar que consegue a solta-o para descarregar a ansiedade de uma só vez.

Volta as costas repentina á mãe e prepara-se para sair.

- Onde vais? Não acabas a de comer?

Pergunta Rosa ao filho em tom preocupado, afastando-se rapidamente da mesa e pondo-se de pé.

- Tenho de saber dela. Vou ver se consigo descobrir alguma coisa ou então se consigo falar com ela.

- Por favor não vás, tem cuidado. Não quero que te aconteça nada. Dava a minha vida por ti e morria se te acontecesse alguma coisa.

- Não te preocupes mãe. Não vou deixar que me façam mal, fica descansada e não te rales mais…e come.

Remata, segurando-a na nuca docemente e beijando-lhe a testa. Sai, deixando para trás a flor de cheiro suave, que o adora e protege com orações.















Volta á casa de Linda. Pelo caminho, o bosque fala com ele e aconselha-o. Tem de ser astuto, para conseguir chegar até ela sem ser descoberto, não sabe o que poderá encontrar pelo caminho, mas tem o pressentimento de que não é nada de bom, a angústia corrói-lhe o peito, tem o seu corpo sob tensão. Como era possível a sua vida ter dado uma volta tão grande de um dia para o outro?

O seu amor por Linda é tão puro, porque não podia estar com ela?

Aproxima-se da casa. Espreita por entre as sebes…habitua a vista á nova luz e começa a aperceber-se dos movimentos.

O carro de Felon está estacionado em frente á casa, a luz do candeeiro contorna as silhuetas.

O vulto de Linda está estático em frente da casa, olhando a sua frontaria. O seu corpo vestido de viagem, segura com as duas mãos pendentes e bem serradas uma pequena mala.

- Onde irá ela com o conde?

O cérebro de Gray congela, não consegue pensar, olha a situação de longe, mas não sabe como reagir.

Se ela está a ir com ele a algum lado, não posso evitá-lo, não tenho o direito de me meter na vida dela, ela parece tranquila, não me parece que esteja a ser obrigada, mas parece que se está a despedir. Não a vou ver mais? Onde vais com o conde.

Pergunta-lhe em pensamento, como se ela o conseguisse ouvir e lhe fosse dar resposta.

















Linda observa todos os pormenores da fachada, para quando fechar os olhos se tele-transportar até ela, conseguindo quase tocar-lhe. Olha os vasos, que rega todos os dias com tanto bem-querer, com as quais mantém conversas sobre beleza, que tanto a inspiram. Sente a presença do amor, olha calmamente na direcção do bosque e sente a presença de Gray, sem nada poder fazer, resignando-se.

Felon dá ordem de a “ ajudar” a entrar no carro, dirigindo-se-lhe um dos seus gorilas pegando-a no braço, ao qual Linda reage com um safanão, agitando o tronco a fim de soltar-se.

- Ela não quer ir, agora sei. Ela não quer ir. Nisto tenta passar a barreira de sebes que circunda a casa a fim de impedir que a levassem, mas não dá tempo.